15 outubro 2010

Desencontro sem acaso

Fugia com determinação dos olhares dela como uma criança foge do frio debaixo dos lençóis pré-aquecidos pelo conforto da troca de fluídos entre sua mãe e algum outro homem. Depois de uma noite inteira em claro, poderiam ter escolhido outro ambiente para ter aquela conversa. Antes mesmo de tentarem se entender no início daquela manhã, foram interrompidos por pelo menos duas crianças e um mendigo pedindo dinheiro na beira da rodoviária.

Não consultaram as horas. Teria se passado quanto tempo? Duas horas, três, cinco?
Quinze minutos, na verdade. Aquele papo mudo parecia insuportavelmente longo. Trocaram uma centena de palavras sem que uma sequer tivesse sido efetivamente pronunciada.

Com uma súbita coragem e uma firmeza que foi emprestada de outros momentos, encarou-a por alguns segundos antes de, fitando seus olhos, responder ao que ela não tinha dito (e tampouco precisava):

- Você é incapaz de amar alguém.

E subiu no ônibus com muitas respostas, mas nenhuma pergunta.

Mal sabia ele que eram duas crianças, mimadas pelas facilidades que tiveram na sua pacata vidinha classe média do plano piloto. Quando já não havia mais como seus olhares se encontrarem novamente, ela se despiu da indiferença que trouxera consigo desde a noite anterior e, como se tivessem lhe arrancado uma perna, desabou no chão, chorando tão alto que não se ouvia chamando pela própria mãe.
Postado por Anônimo às 18:11

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Deixe a timidade de lado, não posso oferecer um copo de leite com biscoitos, mas vale uma fruta? :)