Dei de cara com ele na saída da faculdade. Estava na parada, com aquela expressão apreensiva como se, ao mesmo tempo em que procurava decifrar os números no topo dos ônibus abatido pela miopia, pensasse em mil e uma maneiras mirabolantes para passar a perna na próxima trouxa que acreditasse naqueles malditos olhos castanhos. Olhando de longe ele não parecia grande coisa. Cabelo desarrumado, estatura mediana, camiseta e simples e a calça jeans surrada combinando com a mochila quase vazia que carregava nas costas. Não levava mais do que o essencial: um caderno com páginas faltando, duas canetas sem tampa e um toco de lápis. Ele nunca assumiu, mas tenho razões para acreditar que de vez em quando ele carrega consigo um livro de bolso do Charles Bukowski. Não é um rapaz muito chegado à leitura, mas volta e meia, quando ninguém está olhando, aproveita a sombra de uma árvore ao lado do Restaurante Universitário e desliga-se do mundo meia hora antes de começar a próxima aula.
Tive receio de me aproximar. O que falaria para ele? Poderia puxar algum assunto qualquer, comentar sobre a demora da chegada do ônibus. Não, não ia colar. Ele sabia que eu raramente andava de ônibus, e mesmo assim não passava naquela parada. Também não queria parecer que estava observando-o desde longe, mesmo porque encontros como aquele raramente eram ocasionais. E era ocasionalmente raro nos encontrarmos por acaso. Quando acontecia, meu nariz torcia e eu seguia na direção oposta como se não tivesse reparado. Era estranho pensar que, apesar dos três anos que passaram, eu continuava incapaz de agir como se o tempo tivesse curado tudo. O que rolou entre a gente estava longe de uma paixão ardente da juventude. O celular já não anunciava suas chamadas meses antes do nosso último beijo e seu nome se distanciava da minha realidade no silêncio que trocávamos nos olhares. Mas sua ausência era insuperável.
Sem que pudesse perceber, meus pensamentos perderam o controle das pernas e eu já podia sentir o cheiro de xampu barato a poucos centímetros de distância. O cabelo mal cortado na altura da nuca cobria por alguns fios a tatuagem do signo de virgem que fizera poucas semanas depois de nos conhecermos. Ele voltou do estúdio tão pálido que pensei que tivesse pegado alguma virose. Tinha pavor de agulhas e uma dificuldade enorme para suportar a dor. Talvez fosse por isso que ele nunca se aproximava demais de alguém: às vezes o que se encontra podre na roupagem da pele vai além do que é capaz de suportar a dor física. A agitação das pessoas que se espremiam umas às outras assim que o ônibus para a rodoviária anunciou sua chegada cortou qualquer oportunidade de contato entre nós. Ele não havia reparado minha presença até subir o primeiro degrau do “baú”, quando, de relance, olhou para trás e seu olhar deu de cara com o meu. Sorriu com simplicidade a acenou antes de ser empurrado para dentro pela multidão que vinha atrás.
E pensar que ele mal completara dezoito anos quando tudo começou.